Foi uma preocupação central da vida de Maria de Lourdes Pintasilgo as mulheres poderem dar um contributo próprio e criativo às decisões que afectam e condicionam a qualidade de vida da humanidade. Um contributo para a realização de uma civilização-centrada-na-vida, num momento histórico de crise em que é preciso “postular novos graus de solidariedade”. O que escreveu e disse sobre a liderança das mulheres, o seu exercício do poder e a sua participação em processos de tomada de decisão na vida da polis, deve ser visto nesta perspectiva.
Maria de Lourdes Pintasilgo parte do “princípio científico” que os homens e as mulheres são diferentes. As mulheres têm «dentro de si a capacidade de criar e produzir a vida». Aposta numa liderança de mulheres capaz de «restaurar a vida» , de fazer dos lugares de decisão um «locus vitae». Acredita que, por viverem num registo de multifuncionalidade de papéis, as mulheres conseguem resistir à simplificação manipuladora das questões políticas e analisar, talvez com mais acuidade, a complexidade dos problemas. Alerta para uma ideologia de igualdade que conduziu a uma situação paradoxal: por um lado, a plena igualdade entre mulheres e homens ainda não foi conseguida, por outro, as mulheres estando nos lugares de decisão parecem não introduzir uma mudança qualitativa, mas antes reforçar o status quo, adaptando-se às normas masculinas. As mulheres deviam «introduzir uma forma outra de ser-se humano», porque a igualdade «não legitima a uniformidade, mas salvaguarda a diferença. Evitar o mimetismo no exercício do poder político, introduzindo outras dimensões do humano a partir da cultura milenar das mulheres, constituía um dos seus postulados. Poder-se-ia assim, segundo convicção sua, contrariar a perpetuação de um sistema «que rebenta por todos os lados» .
Em 1981, já enquanto ex-primeira-ministra, comenta numa entrevista, falando da sua experiência como líder político: «O simples facto de as mulheres exercerem funções governativas, independentemente da forma como o fazem, quebra o carácter quase religioso de que estas funções se revestem. São funções que se democratizam e se tornam acessíveis a toda gente (…)» . Mas a intervenção das mulheres devia resultar «de um imperativo da sua própria consciência». A criatividade nas decisões políticas nasce de actos de revolta contra as injustiças e «a presença das mulheres só faz sentido se, pela sua maneira de viver a política, contribuírem para rasgar um horizonte novo para a sociedade». Afirma que «em todas as latitudes» encontrou mulheres que querem «um outro tipo de poder para realizar outra coisa» . Pergunta «em que consiste esse poder?».
Na sua reflexão sobe as questões de poder e liderança, Maria de Lourdes Pintasilgo foi inspirada por Rollo May. Rejeita o conceito mecanicista do poder, em que o poder é «força exercida sobre» (uma pessoa, uma instituição, um Estado) sem a possibilidade de resistência a essa força. Situa o poder no equilíbrio termodinâmico do cosmos e da sociedade. Assim o poder é “energia”, que tenta constantemente restabelecer o equilíbrio nos sistemas, proporcionar objectivos, gerar novas dinâmicas. Neste sentido poder é igual a liderança. É importante exercer a liderança e não o poder, sendo a liderança «uma dedicação permanente aos outros e à sociedade» . Trata-se de um exercício de poder em função de necessidades reais das pessoas. Poder político que deveria ser por definição poder de protecção . É esse o conteúdo do seu desejo quando, numa entrevista em 1974, na qualidade de Ministra de Assuntos Sociais, afirma a importância do «agarrar o poder e encaminhá-lo num sentido certo» .
À pergunta se foi fácil ser aceite como primeira-ministra e enfrentar os preconceitos e estereótipos sexistas acerca do que é um líder (político), responde que não foi fácil. Continuou sempre a resistir, muitas vezes ajudada pelo seu forte sentido de humor. Em 1986 relata uma experiência anedótica , a propósito de uma viagem que faz de Tóquio para Moscovo. O comandante do avião foi ao encontro dos passageiros para cumprimentar o ex-primeiro-ministro de Portugal, que estaria a bordo. E disse: «Não o vi». Ele não esperava que fosse uma mulher. E na mesma conferência fala da sua experiência de apresentação do programa do V Governo no Parlamento em 1979 . Perante o volume dos protestos que quase fez cair a “casa” pergunta: «É o programa, são as ideias, são as medidas?». Alguém gritou: «É a sua pessoa!». Oito anos mais tarde, perante uma assembleia de mulheres em São Francisco (EUA), conta: «Um silêncio mortal encheu a casa [o Parlamento]. O exorcismo foi feito. As palavras foram ditas. Estava claro que o facto de eu ser mulher era insuportável para eles».
Durante uma conferência em Aix-en-Provence em 1981, onde aborda o seu exercício de funções de primeiro-ministro enquanto mulher, afirma: «Sem ter à partida a determinação de ser diferente, verifico que fui diferente» .E exemplifica: «ao nível da Palavra, o discurso da espontaneidade; ao nível da acção, uma outra democracia, dando importância a outras coisas».
Ao encarar o seu próprio exercício de poder como uma praxis, uma unidade indissolúvel entre palavra e acção, teoria e prática, foi consequente com a inspiração de Paulo Freire.
Maria de Lourdes Pintasilgo encarava os lugares de poder como espaços de passagem, de transição, de transcendência, sempre marcados por uma dinâmica de ir além do já definido e conhecido. Tentou, como formula Rollo May, «conseguir o bem, não separado do mal, mas apesar dele», e assim contribuir para o futuro.